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Título:
ANTÍGONA Autor:
Carlos Nejar
Capa e ilustrações: Elizethe Borghetti
FINALISTA DO
PRÊMIO DA
ACADEMIA RIO-GRANDENSE DE LETRAS
ISBN 978-85-94187-16-1
Dimensões: 14 x 21 cm Páginas: 74 Gênero: Poema dramático Publicação: Class, 2018
Carlos Nejar quis manter a beleza poética da
tragédia “sem perder a ternura” e sem estereotipar
Antígona como heroína que defende a tradição do sangue e
da família (oikos) contra uma visão unilateral do
“tirano” Creonte, como defensor da lei da cidade , lei
dos homens, lei do Estado. Em meu livro Os itinerários de Antígona: a questão da
moralidade (1992), tentei revisitar essas versões
idealizadoras. Na mais difundida entre elas, Antígona
procura enterrar segundo os ritos sagrados, seu irmão
Polinice, que batalhara do lado dos habitantes de Argos,
inimigos dos tebanos. A pergunta então é por que
Antígona está disposta a sacrificar sua vida,
rebelando-se contra a proibição imposta por Creonte de
enterrar somente um dos irmãos fratricidas, Eteocle, e
deixar como Polinice, “traidor” (de Tebas) entregue aos
ratos e corvos? Tive a surpresa de encontrar no poema dramático de Nejar
resposta a essas perguntas semelhante à que eu esboçara
em meu livro. Na minha leitura da tragédia de Sófocles,
apoiei-me em Hegel e Jean Hypolite que atribuem aos dois
personagens centrais - Antígona e Creonte - a oposição
de dois princípios éticos: o da natureza e o da cidade
(Estado). Segundo esses dois filósofos, Antígona estaria
se identificando com o primeiro (natureza) desses
princípios, muitas vezes associado ou confundido com o
princípio do sangue, da família e do oikos; Creonte, por
sua vez, estaria identificado com o princípio da ética
da cidade, comunidade, do Estado. Antígona representaria
o gênero feminino que assegura a vida e sua reprodução;
Creonte, o gênero masculino que formula as leis da polis
para a vida em sociedade. Para Hegel, na leitura de Hypolite, esses princípios
entram em contradição e somente podem ser superados em
uma síntese, através da supressão e superação
(“Aufhebung”) de cada um desses polos em um novo patamar
(Geist/Espírito). A versão do Poema dramático de Carlos Nejar não desliza
para um ou outro extremo e não demonstra uma simpatia
especial por um ou outro personagem que os encarna, mas
também não antecipa uma “síntese” como sugerida por
Hegel. Nejar tampouco segue minha proposta
interdisciplinar baseada na versão de Sófocles em que
valorizo em Creonte a capacidade do governante, de
aprender e rever sua decisão de punir Antígona com a
pena de morte. Em seus diálogos com Ismênia, Hemon, seus
guardas, o corifeu, o coro e Tirésias, o sábio cego e
vidente, Creonte reconhece e procura corrigir o seu
erro, dando ordem de soltar Antígona. Ao voltar atrás de
sua primeira condenação, desce do seu pedestal e
humildemente desobedece à lei da cidade, que ele mesmo
criou e representa, dando ordens de soltar Antígona. Nejar, nos revela um Creonte arrependido, que de início,
aparentemente irredutível e ameaçador vai abandonando
sua rigidez e seus princípios de governar. Nessa versão,
Creonte reconhece seu erro, e procura revertê-lo. Mas
isso somente acontece, depois de se dar conta de não ter
previsto as consequências (os efeitos colaterais não
previstos da ação humana, diria Max Weber) de sua ordem:
condenar à morte Antígona, tendo como “efeito colateral”
a morte de Hemon e Eurídice. Creonte reconhece assim que
o poder limitado do governante, de condenar um mortal à
morte, não lhe dá o poder de ressuscitá-lo e
devolver-lhe a vida (poder somente concedido aos
deuses). Esse aprendizado cruel leva Creonte (neste poema
dramático) ao desespero e ao suplício de viver,
carregando a morte dos seus entes como peso e maldição.
O poema dramático “Antígona” de Carlos Nejar não somente
revela a fragilidade dos mortais incapazes de sobreviver
unicamente à base do poder e da razão, mas necessitam da
compaixão, que somente um poeta consegue introduzir com
sua competência, melodia e ritmo numa das tragédias mais
tocantes da humanidade. O poema termina com as palavras amargas e arrependidas
de Creonte: “Tudo começou com Antígona e já não sei o
que fazer de mim... Desaba sobre minha cabeça tal
fatalidade, tal castigo, agora insuportável...”
Rio, 14 de março de 2018 Barbara Freitag |