R$ 18,00
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Título:
ARQUIVO
DE DISPOSITIVOS INVISÍVEIS Autor:
Kim Amaral
ISBN: 978-65-88865-49-1
Formato: 14 x 21 Páginas: 40 Gênero: Poesia
Publicação: Bestiário / Class, 2021
Sensível, exigentíssimo, arquitetônico. Um jogo – meio
jogral, meio quebra-cabeça, meio ready-made –
hipermodernista de encaixes, dúvidas e dissoluções, sim?
Reparei nitidamente que foi trabalhoso escrevê-lo,
inscrevê-lo, vê-lo. Palavra por palavra, silêncio por silê.
Claro que me deu vontade de buscar outros sentidos aí, e
mais e menos, mas não vou fazer, não que eu prefira não
fazer, mas mais por me sentir incapaz mesmo! E reparo também
e por isso que perdi muito na leitura, na primeira, menos na
segunda, mas creio que isso faça parte do horizonte que tu
preparaste para o livro se por. Sobretudo em relação a
algumas palavras duplas (quebras, ambiguidades, efeitos
colaterais, etc.) que não sei se peguei o segundo sentido,
pra dizer o mínimo. Não sei se isso é um problema, porém
n’alguns casos, eu seguraria a mão. Sei também que a coisa
não é binária, e a informatização do mundo surge no livro
enquanto uma crítica. Quero dizer: não temos mais mão pra
segurar a mão. Mas pro tipo de leitor que gosto de ser, não
me atrapalha. Gostei das letras caindo. Particularmente,
gosto das quedas, dessas estéticas do abismo, ou do tropeço
na rua. Não me parecem quedas livres, porque soam bastante
projetadas, estudadas, não esperaria nada diferente vindo de
ti, ao menos na tua relação com as letras. São versos com
determinados dispositivos dentro, realmente. Positivos
visíveis, umas bombitas relógio. Não sei mais o que vejo, e
creio que essa seja uma excelente saída para um grande
livro. Tudo embaçar tudo, algo assim. No sentido de como
saímos de um livro. Saio vendo menos. Tem algo de menor aí.
Poderia ser um ofício de engenheiro, como os concretistas,
de design, como a poesia que só se afeta e não afeta, muito
comum hoje em dia, mas teu livro é mais arquitetônico mesmo,
a meu ver, porque tem um trabalho estético, poético,
atlético, primoroso, não perdendo de “vista” o “conteúdo”,
as formas de conteúdo, ou seja, ser profundo e falar sério,
pra ser grosso e direto. A arquitetura é o esforço humano
pra fazer entrar luz nos ambientes – gosto da simplicidade
dessa definição.
E gosto ainda mais desses espaços de ausência que acontecem
ao longo do livro. Experimentalismo levado a sério, não? Às
vezes me confunde, confesso. Con-funde, fusão coletiva. Tu
és, de fato, um poeta morfológico (todos os poetas são
semânticos, a priori), assim como hoje eu me considero um
poeta sintático. São trajetos e diferenças de diferenças. E
te digo isso porque quando tu for ler o meu livro, tu vais
ver como há poemas ali que são da mesma escola dos teus,
impressionante e impressionismo, coincidências da vida e das
formações, da forma de ver a vida principalmente. Gosto
bastante da maneira como tu explora as palavras, faz com que
elas explodam, malabarem, fiquem na gente. Tem uma coisa
cabralina aí no livro que certamente só eu verei (risos).
Todo mundo vai ver o teu Almodóvar, mas eu vi o teu
Sebastian Lelio, e esse é um elogio bastante sincero. Ao
mesmo tempo, tem poemas muito sensíveis, gosto bastante
dessas velocidades e acelerações que tu inseriste na máquina
do livro; os poemas mais líricos, digamos assim, são também
pesados, cus e crus, imagens fortes, chucras, às vezes,
excelente equilíbrio no meio das alucinações confusões
depressão insônia psicose. Sinto o Gonçalo Tavares pelo
livro, mas essa é uma associação óbvia né. Acho que eu devo
ter esse estigma com o Pessoa também, faz parte. É criar o
intercessor. Quero dizer, acima de tudo, que os poemas sobre
o amor, são belíssimos. Se eu pudesse ter outro intercessor,
hoje, talvez preferiria colocar o Mario Benedetti, o Juan
Gelman, não sei...
Entretanto, como sugestão: não sei se eu abriria com o
primeiro poema. Me pareceu, não sei o porquê, que ele rasura
demais pra um início, tipo um tapa muito forte na cara,
assim, no primeiro encontro. Até pq o que vem na sequência
eu acho maravilhoso, o Álbum. Álbum de família, haha, o
livro tem um toque de Nelson Rodrigues depois de ler o
Bolaño lendo o nosso estimado Noll, só agora percebo.
Cotidianamente nostalgicamente pesado, e realista. Tu
escreves bem demais, cara! E tu foi muito feliz nos termos
do ritmo também, ritornelos: a maioria dos poemas, quando
engatam, tem um eco impressionante. Rimas internas, músicas
perdidas que se encontram nesse ocaso que é uma leitura de
poesia. A brecha pro transcendental. Claro que é um livro
urbano. Ainda que tu queiras trazer esse rincão tórrido em
alguns poemas, a la pucha tche, é um livro megalópole, pois
tem ritmo de cidade. Tem muitoooos versos que gostaria de
discutir contigo, mais no sentido de elogio à loucura mesmo,
porque são muito bonitos. Mas o computador não permite. E
também, por supuesto, não quero me alongar. Aliás, gostei
muito do tamanho dos poemas. Parece uma besteira, mas eles
têm o tamanho que deveriam ter. E, o livro enquanto livro,
combina muito entre si.
Vômito, recuerdos da infância, rituais, traços de romance de
formação, poesia muscular excitante, gozar na letra, uma
ironia cá, outro sarcasmo lá. As prosas, as relembranças
estão certeiras igualmente, ótimo fluxo, fluidos por todo
lado, até um nonsense que outro aparece ali no meio!
Essencial e angustiante. Essas palavras riscadas (nem sei
fazer isso no word eu acho) não sei se gosto muito. Entendo
as intenções. Mas às vezes é tanto recurso estilístico que
parece que tu tá querendo esconder algo. Em geral, as gentes
mundanas usam isso pra esconder a ruindade dos próprios
versos né, o que é exatamente o oposto do teu caso, então
fiquei me perguntando se não há alguns excessos
ultracriativos-experimentais-desconstrutivos aí ou se é só
uma impressão débil, ou a certeza absoluta de que estou
envelhecendo e me tornando MAIS chato e quadrado. Pensa aí
bem se eu não tô delirando. Fiz a releitura do livro ao
avesso, do fim pro início. Te comento: experiência bastante
interessante, recomendo. Me agrada muito também o fato de tu
não ser identitarista e mesmo assim saber tocar como ninguém
em temas e ocasiões, afetivas-políticas, como um poeta deve
fazer. Sofisticada a coisa. E não me limito a dizer isso só
a propósito da questão gay, vai muito além. Em alto e bom
tom: são poemas que, bem lidos, servem a todos, emocionam a
todos afora das bandeiras e dos ditames e dos dilemas do que
posso sentir, fazer, me reconhecer, gostar, enfim, tu
entendeste. O Bloom é sensacional, pra quebrar com esse papo
chato (e óbvio)!
E eu também acho que a verdade pode estar num rabisco de
Paul Klee. (acho que peguei a ironia ambígua, haha)
Diego Lock Farina
Sobre o autor:
Kim Amaral Bueno nasceu no interior gaúcho. De formação
comparatista, atua como professor de literatura e redação, e
também como pesquisador, no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense – IFSul. Interessa-se
pelas relações entre palavra e imagem na literatura
contemporânea, bem como seus desdobramentos em uma
literatura menor (ou, da dissonância). |