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Título:
CAUSOS DO BRASIL PROFUNDO Autora: Zara Gerhardt
ISBN : 978-85-94187-83-3
Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 130 Gênero: Crônicas Publicação: Class, 2019
LENTE PROFISSIONAL, VISÃO
PESSOAL
Luís Augusto Fischer
Assim que conheci a Zara Gerhardt encontrei um ponto, uma
ponte entre nós (outras viriam depois): porto-alegrense,
geóloga formada pela UFRGS, a Zara exerceu pela vida uma
profissão para a qual eu também me dirigi, num ponto já
remoto do passado. Eu não passei de cinco semestres de
estudos, na mesma faculdade, na metade dos anos 1970, tendo
desistido para me encontrar como estudante de Letras e
depois professor de Literatura.
Aqueles poucos semestres foram muito marcantes na minha
vida, como seriam na de qualquer um, creio. Estuda-se muita
química, muita física, muita matemática, muita biologia
(para os fósseis), e isso é apenas a preliminar para o
impressionante mundo das rochas, dos fenômenos tectônicos e
vulcânicos, para as ocorrências variadas e deslumbrantes de
minerais. Eu não conheci toda essa beleza, mas estive na
antessala dela, como se tivesse sido conduzido até a entrada
do templo e, com a porta aberta, pudesse ter vislumbrado a
magnitude do universo que ali começava.
A Zara não: ela entrou nesse templo e lá permaneceu pela
vida afora. E agora que saiu do batente diário volta aqui
para nos contar uma parte disso. Não a parte científica, mas
a parte experiencial: aqui fala uma profissional da
Geologia, que é mulher e desbravou, também por isso, muitas
fronteiras. Uma mulher que andou pelas entranhas do extenso
e matizado território que faz o Brasil ser o que é, um
gigante meio dandão que mal sabe o tanto que tem e pode, e
enquanto isso tudo ainda teve filho, voltou a estudar,
doutorou-se, ensinou. Uma brasileira que cumpriu ciclos
bravamente.
E agora ela apresenta uma fatia dessa longa experiência
neste livro. Tem, não digo de tudo, mas de muito: agruras
miúdas da vida de mulher profissional de um ramo
expressivamente masculino e muito machista de trabalho;
pequenas descobertas geológicas de uma vasta parte do Brasil
remoto, longe das capitais e da fama; relações sociais em
cidades minúsculas, onde vivem brasileiros como nós, segundo
regras particulares muito distantes das nossas; experiências
humanas radicais, encobertas para o observador de passagem,
mas reveladas aos viveram temporadas longas.
Saindo das confortáveis classes médias e das quatro estações
meio européias da capital sulina, a autora viveu de perto o
sertão e a selva, a seca severa e a extrema umidade. E
agora, ao contar histórias, tudo isso entra em perspectiva:
se um geólogo é um descritor que precisa ter grande
habilidade para relatar, avaliar, projetar, estimar, se ele
maneja bem os instrumentos da descrição técnica, quando se
bota a olhar para as relações humanas do entorno com olhar
compreensivo essas virtudes ganham um corpo, uma concretude,
uma presença notáveis.
A Zara sabe isso tudo e aqui o demonstra. Com uma virtude
suplementar que talvez seja invisível, mas que ali está,
página por página: tendo muita história para contar e até
lições para oferecer, a Zara preferiu a atitude mais gentil
e mais sábia de evitar a pose professoral, em favor das
histórias reais, de gente de carne e osso.
Um gosto de ler, um prazer para o cérebro e um alento para a
alma, este livro da Zara.
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