R$ 35,00
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Título:
Dias múltiplos, nada comuns Autor:
Helenice Trindade
ISBN 978-85-94187-34-5
Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 96 Gênero: Contos Publicação: Class, 2018
Em narrativas longas, espera-se do personagem que
carrega o conflito principal uma transformação ao fim da
história. E esse movimento, que sempre me faz pensar no rio
de Heráclito, é parte do que aproxima a ficção da realidade,
pois permite entendermos um pouco melhor o mundo que nos
cerca. O livro de contos Dias múltiplos, nada comuns é
portador dessa capacidade.
Muito do efeito se deve aos personagens criados por Helenice
Trindade. Ela cava fundo no terreno das emoções e traz à
superfície elementos que nos colocam como espectadores
ativos desse espetáculo da comédia humana sem cair no
melodrama banal.
A autora segue à risca aquilo que disse Erico Verissimo, lá
em 1939, ao explicar em uma conferência o processo de
criação do romance Saga. Segundo ele, “um escritor não deve
tolher as suas criaturas” e nem “deve traçar rigidamente a
psicologia de suas personagens, sob pena de torná-las sem
vida”. Caro leitor, este livro está cheio de vida.
O plural, aliás, caberia bem: vidas. Porque temos não uma
nem duas, mas várias portando o bóson da gênese literária,
essa partícula que, trabalhada com afinco – e algum talento
–, vê uma ideia se transformar em algo tão real que nos
tornamos íntimos, próximos, quase a ponto de poder tocá-la.
Além disso, Helenice se apresenta ao público como uma
escritora que sabe fazer muito bem cenas de sedução ou de
sexo. Entre afetos e desamores, silêncios, reflexos e
gemidos, ela consegue ser “sexy sem ser vulgar” – aqui,
aproveito para contaminar esta orelha com um clichê,
material escasso nas páginas a seguir. Dá trabalho, o risco
é constante, mas a autora tem coragem e determinação, e toca
direto na alma.
Prepare-se, portanto, para sofrer com uma mulher abandonada,
dona de uma sensibilidade ímpar. Aprume-se e vire você
também um cúmplice da excluída Beatriz. Feche as janelas,
pois Abdo e Ana vão provocar um temporal – ele está vindo!
Conheça o vendedor de maçãs que não imaginava vender também
sonhos. Ria com a viúva de Idagildo. Chore com Sérgio.
Mas não tenha pressa para degustar essas e outras tantas
histórias. Trate cada texto com o devido carinho. Dê tempo a
eles. Saiba que muitos passaram por um longo processo de
decantação antes de preencheram essas páginas para ganharem
o mundo. Aliás, acho que a expressão é essa mesma. Mas quem
ganha é o mundo. E muito. Boa leitura!
André Roca
Jornalista, professor e escritor
Porto Alegre, setembro de 2018.
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