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Título: ESTE MUNDO NÃO É TEU
Autora: Zara Gerhardt

Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 134
Gênero: Crônicas
Publicação: Class, 2024

ISBN 978-65-6056-116-8

CONVERSA DE AMIGOS

Leio o novo livro da Zara e me assaltam alguns espantos.
Ela lembra com detalhes da roupa que usava em cada cena importante que narra. Sabe designar o modelo, os tecidos de que se faziam as roupas, o arranjo do conjunto.
Ela guardou, ao longo da vida, documentos que quase qualquer um teria posto fora na primeira oportunidade.
Ela preservou na memória, a salvo de qualquer risco, sentimentos, emoções, vivências, desde sua adolescência.
Tirando a parte das roupas, eu me sinto um irmão da Zara. Também guardei documentos que registram passagens da minha vida, e também carrego comigo memórias que de vez em quando, como o Blau Nunes, eu tiro das caixas para que peguem um ar – mas logo as devolvo.

A Zara resolveu fazer esse exercício diante do leitor. Por assim dizer ao vivo, numa situação em que cada item revive sua força de permanência, seu testemunho da passagem do tempo, sua qualidade de portador de uma fatia do vivido.
Ela discorre sobre eventos, pessoas, fatos, ordenadamente, fazendo desfilar diante dos nossos olhos uma vida intensa, cheia de interesse, não para dizer ao visitante o que ele deve fazer, muito menos para se arvorar a grande coisa, mas para expor sua experiência como numa conversa de verdade, em que amigos contam para compartilhar, para produzir o efeito sublime que é celebrar a vida.
Ela compartilha fotos em que parece que cada um de nós também está presente, entra a tia e o sofá, de mãos dadas com um primo agora extraviado. Ela conta, com serena firmeza, os tantos percalços que enfrentou por ser a única mulher em sua turma de Geologia e por ser, anos afora, a única profissional do ramo em vários contextos, já em si ásperos e “masculinos”.

Este livro tem um valor difícil de quantificar – um alto valor. Para quem viveu situações semelhantes, por certo, mas igualmente para quem nunca distinguiu entre uma rocha sedimentar e uma metamórfica. Para a leitora, o livro terá um valor todo especial, ao conhecer as dificuldades concretas de uma profissional de trajetória segura e competente que enfrenta mesquinharias patriarcais, que formam aqui um catálogo, de A a Z.
E vale acrescentar que a Zara tem a elegância de não sujar nem a barra da calça ao atravessar alguns pântanos desse processo, em empresas e em universidades. Não dá palco para maluco, abusador, autoritário. Mas mostra o pântano de que vive.
O livro tem o valor de ser registro da história, que por muito tempo parecia algo que só ocorria no âmbito de uma elite rarefeita, mas não, nada disso, porque se passa em cada momento, bastando haver uma inteligência e uma sensibilidade atentas para o fluxo das coisas.

A Zara é dessas que prestou atenção e está aqui nos convidando a compartilhar um saber feito de vida, não de ciência abstrata. Uma vida cheia de acertos e erros, sucessos e fracassos. A Zara age como uma amiga que abre seu coração e oferece sua mão segura para ajudar o leitor a viajar com ela.

Luís Augusto Fischer, primavera de 2024.