Fotossíntese e outros processos de sobrevivência
é um excelente exemplo do poder das alegorias da natureza
incidindo sobre o texto literário. Sinara Foss, assim como
eu e tantas outras escritoras, confiamos na capacidade
reativa da natureza. Confiamos que o mato virá, um dia,
retomar o espaço que lhe foi tirado. Arquitetado em três
subtítulos: Fase luminosa, Fase de fixação e Rearranjo, a
reunião de contos segue a organização do processo vital das
plantas.
A
coletânea abre com o estupendo Fotossíntese, conto
que traz a história de uma garota que vê brotar, a partir de
seu canal auditivo, uma plantinha. Em decorrência desse
acontecimento antinatural, somos conduzidos a reflexões que
se chocam com questões ancestrais e outras bem
contemporâneas. Mas nem só do Reino Vegetal o livro é feito.
No conto a seguir, Desova, uma mulher ressentida
("até a aranha a recrimina") vê seu impulso maternal tomar
proporções inimagináveis após um encontro incomum. Os contos
que seguem o fio de desenvolvimento nos localizam
espacialmente: estamos em Vinha D’Alho, cidade que também
ambientou Plural de fêmeas (2021). É a partir daí,
desse retorno à Vinha D’Alho, que as pequenas e grandes
maldades e perversões tomam corpo dentro das narrativas.
Experimentando um espelhamento com Plural de fêmeas,
Foss nos põe cara a cara com mulheres que reagem após anos
de humilhações. Mas não só, em Fotossíntese e outros
processos de sobrevivência, a natureza revida, mostra ao
bicho homem sua pequenez frente a tudo aquilo que ele não
compreende e, por isso, não respeita.
"Odiava mulheres que argumentavam com a voz aguda pelo
choro", diz o narrador do conto Marcador de páginas,
a primeira de muitas incursões à metalinguagem que a autora
empreende. É um movimento interessante que nos leva, adiante
no livro, a ler outros dois pontos de vista a respeito da
mesma história.
Há, também, a exploração da perplexidade frente à morte,
mostrada com base na reação da personagem do conto
Badaladas. Há o peso da tecnologia se impondo sobre as
escolhas, como no conto GPS. E há o estranho, o
esmagamento de uma realidade a ponto de fazê-la tocar o
absurdo, como em Olhos na estrada.
Foss, assim, como Nara, personagem do conto Peste, é
irmã das árvores. Junto-me às duas no sentimento de catarse
que experimentamos cada vez que a natureza revida.
Comemoramos quando, num grande efeito de metalinguagem,
Zuleica encontra o livro e o salva do fogo.
Em sintonia com o processo da fotossíntese, a parte final,
Rearranjo, é onde ocorrem mudanças. Histórias iniciadas nas
partes anteriores encontram um final possível. Personagens
se movem e deparam com novas possibilidades, uma estratégia
narrativa que se aproxima da engenharia do romance.
Interessa à autora, entretanto, o efeito do conto. E ele
está muito bem trabalhado nas narrativas desta coletânea.