A
memória é uma espécie de cravo ferrando a estranheza das
coisas, de Lau Siqueira,
marca o leitor pela quebra de expectativas provocada por
seus poemas. Profícuos em imagens que trocam os móveis
da casa de lugar sem aviso, os textos do autor gaúcho
subvertem um modo de pensar linear, cumprindo o papel
máximo da poesia. Com uma poética musical e inventiva
que ousa na variação da forma, o poeta articula o não
dito e o dito em versos nos quais o espaço em branco
complementa o que as palavras sussurram/falam/gritam.
A obra
é constituída de duas partes e, inicialmente, apresenta
poemas em que prevalece a liberdade da forma em
consonância com a abertura suscitada pelo conteúdo.
Depois, com tercetos, propõe uma forma exata para
apresentar uma visão de mundo voltada ao agora e sua
poeticidade, convidando-nos à celebração do "acaso e
suas delícias".
Essencialmente, os poemas versam sobre a passagem do
tempo, a incompletude humana e as contradições da vida
contemporânea, como muito bem sinalizam as palavras da
dedicatória em que o autor afirma que "mais um livro de
poemas, neste momento, significa investir na perenidade
das incertezas". Nesse sentido, a leitura de Lau
Siqueira nos coloca diante da única certeza que podemos
ter, que é a da impermanência que nos constitui. Ao modo
tão apreciado por Manoel de Barros, sua poesia nos ajuda
a olhar para as insignificâncias ou, como diz o próprio
poeta, para as "inutilidades necessárias".
Contemplando temas como a memória, a cidade, o amor e o
corpo, Lau Siqueira edifica uma poesia de caráter
filosófico e também sensorial. Seus poemas são corpos
que ora instauram o devaneio que se traduz em saber, ora
incitam sensações que reafirmam a natureza erótica da
linguagem. Ao mesmo tempo em que provoca um pensar
atemporal sobre nosso estar no mundo, sua escrita
utiliza elementos da modernidade para refletir sobre as
relações sociais, nas quais o sujeito perde suas
referências e sua ligação primordial com a natureza.
Por
todos os aspectos apontados e, principalmente, por se
tratar de uma visão sensível e necessária do fluir da
corrente que é o tempo e a própria vida, vale muito a
pena ler A memória é uma espécie de cravo ferrando a
estranheza das coisas.