
R$ 38,00
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Título:
NÃO NOS ENSINARAM A AMAR SER
MULHER Autor:
Michelle C. Buss
ISBN 978-85-94187-38-3
Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 88 Gênero: Poesia Publicação: Class, 2018
FINALISTA
DO PRÊMIO AGES de POESIA
FINALISTA DO PRÊMIO
DA ACADEMIA RIO-GRANDENSE DE LETRAS

Com garra e amor pelo
humano
Jane Tutikian
Primavera de 2018
Vivemos, hoje, no mundo, momentos conturbados, violência e
miséria estão espalhados pelo planeta. Vivemos, sim, um
momento fronteiriço, carregado de mudanças que ainda não
assimilamos, em uma sociedade possuída pelo ritmo alucinante
de produzir mais para consumir mais, uma sociedade que tende
a converter as ideias, os sentimentos, a arte, e as próprias
pessoas em produtos. Uma sociedade que esqueceu o poder da
palavra. Vivemos um tempo regido pelas ciências duras, pela
tecnologia. Mais do que nunca, é preciso revisitar o
Humanismo para resgatarmos uma parte de nós mesmos que vamos
perdendo sem perceber. E que melhor forma de fazer isso do
que com nossa linguagem primeira, a poesia?
Talvez haja quem pense que a
literatura não salva, nem justifica a vida nesta nossa
época. Talvez... mas não nos enganemos. Já foi dito, as
narrativas e as poesias não são inocentes, nunca são. A
literatura é um velho espelho crítico, sempre renascido. É
uma aventura total, dramática, profunda, exaustiva,
arriscada, mas detonadora de percepções, compreensões e
visões inesgotáveis. Há momentos difíceis e, às vezes,
desesperadoramente inalcançáveis nesta luta cujo instrumento
é a palavra. Mas há o sentimento e a crença profunda no
sentir que revela o humano como princípio e como fim.
Importam essas colocações porque já estamos falando de não
nos ensinaram a amar ser mulher, livro de Michelle C. Buss,
que tenho o orgulho de, agora, apresentar.
Se há poetas que lutam com as
palavras e as libertam para que o mundo, em liberdade, se
entenda, Michelle é desses, com seus poemas, como ela diz,
“dilatados pela minha gramática psíquica / pela semântica
dos sensíveis / pelos abismos do meu inconsciente / por
verbos transitivos de sonhos, flexionados pelo desejo”. Em
seus poemas, a realidade efetiva cede seu lugar à
consciência da poeta que não cessa de formar mundos, de
transformá-los, de marcá-los com sua impressão espiritual,
“gestando / a potência da força dos nascimentos em meus
versos / verbo visceral que rompe em amanhã / feminino / que
se reinventa renova resiste / a todos os conservadorismos /
resiliência placentária / poesia livre de donos”.
Assim, quando num mundo
oscilante de valores e de sentimentos relativos, em que a
mulher, historicamente, é relegada à margem dos processos
todos, a poesia de Michelle C. Buss afasta-se do imaginário
masculino pela experimentação dos valores que precisam ser
revertidos, e o faz com uma garra invulgar, porque
atravessada pela consciência do feminino e do humano. Seus
poemas mergulham no realismo percepcional para tirar dele
uma realidade outra, mais sentida, mais vivida, porque
vivida também em outras peles: “o homem em mim é guerreiro /
o fio de sua espada é / um poema de versos livres / que
canta a vida, poéticas do amor”.
Mitos e símbolos compõem essa
consciência: “Mulher / e eu carregaria todas as correntes de
medos e gemidos / de minha mãe, minha avó, de todas as
Mulheres que me fizeram / e da primeira Mulher, a
primordial, de minha ancestralidade”. Já foi dito que
grandes imagens têm um fundo onírico insondável e é sobre
esse fundo onírico que o passado pessoal e coletivo põe
cores particulares no seu verso: “a minha voz / o grito da
guerreira / abençoado por todas as mães / profunda, solar e
forte / a minha voz / o meu poema”.
Não há resignação diante da
consciência da precariedade do sentimento humano sempre a
esvaziar-se de significação. Sua poesia, marcada pela
predestinação e pelo tom confidencial, transforma-se em
luta: “acordem Mulheres / despertem todas / sintam como é
bom ser / o que somos / retomem a sabedoria do sentir /
consagrem a si o seu poder / mergulhemos no mar dos
despertos / acolhimento consigo / acolhimento com a
ignorância do outro / aceitar nunca / fazer diferente / ser
diferente / livre para ser / renascer diferente / livre /
livre / nascer/ Mulher”.
Impressiona a compreensão que Michelle tem do seu próprio
processo de criação. É de onde vem o domínio sobre a palavra
e o verso, porque o poema é também objeto do poema, e sua
criação é carregada de um tom emotivo e sensual feminino.
Daí a originalidade, a força, a comunicabilidade e a
profundidade de seu lirismo. Ela possui o dom de manejar as
palavras fazendo-as render ao máximo ao nível da sugestão,
da insinuação e da expressão. Jogos vocabulares,
cristalizações e formas acabadas, paradoxos e marcas de uma
linguagem inventiva integram seu processo de composição.
Não tenho a menor dúvida de
que não nos ensinaram a amar ser mulher é um conjunto de
poemas que, situando-se num plano reflexivo, constrói o
relato de uma geração, esta jovem geração da terceira onda
ou do chamado pós-feminismo, a que assume o discurso de
todas as margens, a que resiste porque tantas mulheres
também resistem, afinal, como afirma a poeta, “ o grito de
todas / as mulheres / vibra agora / em minhas cordas vocais
/ acordando minha madrugada”, para concluir que estão “tão
perto agora de mim / aninhando minha / humanidade / o
verdadeiro amor / redescoberto / em mim”.
Fecha-se o livro com a alma
lavada, vingada, mergulhada em tanto sentimento. Um livro
maduro de uma jovem poeta que, definitivamente, coloca seu
nome e sua marca na nossa literatura: Michelle C. Buss.
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