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Título:
RAINBOW
Autora: Conça Dornelles
ISBN: 978-65-6056-014-7
Formato: 14 x 21 Páginas: 206 Gênero: Poesia
Publicação: Bestiário, 2023
Um caminho sempre em percurso
A escrita tensiona a linguagem de maneira singular. E seus
movimentos resultam efeitos diversos. Uma das competências
da poesia é fazer submergir da língua seu inusitado.
Podemos preparar uma corda como funda ou como elemento que
vibra em sons musicais. Cada uma destas qualidades são
substâncias poéticas, nos afirma Octavio Paz.
Escrever é uma experiência única. E a poesia se constitui no
mais sofisticado fazer literário. Fazer este, sempre em
movimento e mutante.
Poemas e poesia se evadem no tempo, mas nunca de si mesmos.
Estão sempre além do previsto, esquivando-se das definições
e racionalidades excessivas.
Sem conhecimento não há poesia nem revolução. O sensível da
poesia é inaugurar modos de enxergar o mundo de maneira
libertária. Com ela visitamos o futuro, regressamos às
origens, inventamos o presente, realizamos desejos,
resolvemos desigualdades, negamos atrocida-des, denunciamos
conflitos e eternizamos a nossa passagem pelo mundo.
Desviada de uma concretude reducionista, a poesia é
experiência de corpo e alma. Não se destina a algum lugar,
somente ao encontro de si mesma. As referências habituais
são apagadas, e a justificativa da escrita nunca é
convincente para essa sociedade carregada de metas
lucrativas. E por quê? Porque a poesia busca outra natureza;
ela é, como tão bem a batizou Manuel de Barros, um
inutensílio.
O fazer poético ressoa nas palavras com naturalidade, e a
poesia alaga os versos e as estrofes.
Nenhuma forma poética contém em si poesia. Um soneto pode
passar ao largo da poesia. Pois poesia é obra, as formas
literárias, lições da academia.
As palavras, com suas significações aleatórias e mesma
grafia, abrem um universo infinito de tensões comunicativas.
Por esta razão, trabalhar com a palavra é criar e recriar no
imaginário, alternativas, olhares inaugurais, no mínimo
excêntricos.
Há jeitos e jeitos de observar a palavra, de virá-la do
avesso, de transfigurá-la... de usá-la para o fazer poético.
E é através dessa escolha, quase sempre inconsciente, que a
escrita adquire a originalidade autoral.
Exigente, a linguagem poética condensa, sintetiza e desvia
as normalidades de qualquer sistema, seja linguístico ou
social, e se faz poema.
A escrita de Conça Dornelles percorre um caminho de buscas.
Seu eu-lírico visita várias vertentes, compondo muitas vezes
com narrativas, uma aproximação efêmera com a realidade.
Mas a preferência da escritora está em converter o mundo
exterior em um eu-lírico desejante e amoroso, como em
Dúvida:
Me pego dupla
querendo evitar a aspereza do apego,
querendo o que a sede do corpo provoca ao teu lado.
Que merda essa arritmia cardíaca
que só passa com você dentro de mim.
Quero fugir desse possível destino, (...)
Em Everest ela amplia seu universo de reflexão e declara:
(...) A dor já me roubava a criatividade,
mas com certeza o arrependimento apagaria a luz...
Quem pode pintar no escuro?
Em Stradivarius, sua preferência pela contação de histórias
se exemplifica, denotando o acontecimento com detalhes.
Mesmo que as metáforas estejam espalhadas pelo texto, há uma
forte inclinação ao descritivo, fazendo um passeio entre a
crônica poética e a poesia. Neste trecho, a escritora
introduz informações que vão criando, do início ao fim, um
clima curioso:
Noite fria no Menino Deus.
O pobre animal caminha solitário na calçada,.
sem uivar, sem latir.
O ipê roxo solta uma flor,
que o toca levemente.
O cão para, olha a flor.
Com delicadeza põe-se a brincar com o presente da
|árvore.
O vizinho do 319, ensaiando Smooth Criminal no violino,
fita-o pela janela, (...)
Quando em processo de criação, temos sempre várias questões
a resolver. Privilegiar a sonoridade ou sentido? Explorar
emoções? Respeitar o acaso? Deslumbrar ou fazer refletir?
Inventar ou reincidir?
Essa aventura expressiva opera, através da linguagem, várias
percepções intuitivas e vale lembrar de sua artesania,
essencial e indispensável para a geração da poesia.
Em Acácia Imperial, Conça Dornelles vasculha o processo
poético, dissolvendo as fronteiras entre a poesia e a vida:
Buscando a parte que parecia faltar,
perdi o resto que pensava ter.
Procurei por toda parte,
procurei com arte,
achei apenas pedaços e retalhos...
A poesia, quando se entrega à sedução das palavras e
adjetiva a linguagem, se perde um pouco pelo caminho. Mas
quando prioriza o verbo e o substantivo vai em direção ao
pleno e mesmo assim não serve para nada, como afirma Ricardo
Aleixo se referindo ao pão que falta na mesa, às guerras, às
discriminações. Mas como viver sem ela? Se é ela e a arte
que nos ajudam a resistir à dura realidade?!
Lembro o nosso Armindo Trevisan quando êle escreve essa
maravilha:
A um jovem poeta
Não escrevas um poema enquanto teu coração
arde. Deixa que a emoção arrefeça.
Depois, em silêncio, com ajuda da cabeça,
põe um tijolo sobre outro tijolo.
Tijolo? Tão frio o barro cozido...
Mas é dentro desse barro que acontecem as cópulas,
e as crianças choram pedindo leite.
Imagina um fruto amadurecido,
que pende de uma árvore: o vento o balança,
e o sol continua a aquecê-lo. Esta dança,
que não se vê,
é a poesia.
Rainbow, de Conça Dornelles vem para marcar mais um
acontecimento em nosso rico universo poético.
Liana Timm
Sobre a autora:
Conça Dornelles nasceu em Porto Alegre, Brasil, num
dia de chuva em outubro de 1966. É mãe da Ananda e vovó da
Jasmin e da Cecilia. É Poeta, Doutora em Letras e Terapeuta.
Tem poemas publicados em duas antologias. É autora do livro
Mobilidade Poética e de vários artigos sobre literatura. É a
criadora do Sarau Versos e Notas, que já circulou em cafés
do Brasil e Alemanha. |