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Título: RENGA DO CORVO
Autor: Emmanuel Santiago

ISBN: 978-65-85039-61-1

Formato: 14 x 21
Páginas: 94
Gênero: Poesia
Publicação: Bestiário, 2023

Publicado pela primeira vez em 1845, o poema "The raven", de Edgar Allan Poe, é um dos mais famosos da língua inglesa e um dos mais traduzidos para diversos idiomas, a despeito — ou justamente por conta — de seu intrincado esquema compositivo, representando um verdadeiro desafio para seus tradutores. Ainda no século XIX, a fila das traduções foi puxada por poetas do quilate de Charles Baudelaire e Stéphane Mallarmé, que optaram por transcrevê-lo em prosa para o francês.

Em língua portuguesa não foi diferente: dois grandes escritores, Machado de Assis e Fernando Pessoa, estiveram entre aqueles que procuraram verter os malabarismos verbais de Poe para nosso idioma — o primeiro adotando uma organização estrófica polimétrica, já o segundo mantendo-se mais próximo do modelo original. Ao final da década de 1990, o prestigiado e saudoso tradutor Ivo Barroso organizou O corvo e suas traduções, reunindo em livro algumas das versões mais representativas de "The raven" em português e francês, às quais se somariam outras na segunda edição, publicada em 2000. Nesse livro, Barroso exaltava a tradução de Milton Amado, jornalista mineiro falecido em 1974, como a mais bem-sucedida em nossa língua.

E minha relação com a funesta ave de Poe também não vem de agora. Meu segundo livro, A ave Lúcifer (Patuá, 2000), fecha com uma paródia estrofe a estrofe de "The raven", intitulada "A rola" e cuja inspiração surgira da leitura de "O urubu", de Guilherme Gontijo Flores e Rodrigo Gonçalves, versão definida pelos dois autores como uma "tradução exu". Foi por conta de tal histórico e de meu interesse pelas formas tradicionais da poesia japonesa que, numa interação pelo Instagram, o amigo Luís Fernando Neis Blashke sugeriu-me uma tradução de "The raven" em que cada estrofe do original fosse reduzida a um haiku. Gostei tanto do desafio que resolvi aprimorá-lo: transformar o poema de Poe num renga, vertendo as estrofes na forma do tanka. O resultado foi tampouco uma tradução quanto um renga, pois, para levar a cabo a empreitada, tive de realizar diversas adaptações.

O renga é uma forma poética japonesa do século XIV, cujo nome pode ser traduzido como "poemas encadeados". Tratava-se, originalmente, de um passatempo aristocrático e de caráter coletivo, no qual dois ou mais poetas se revezavam no encadeamento de diversos tanka, forma tradicional da poética nipônica antes conhecida como waka (literalmente, "poesia japonesa"), composta por duas linhas: a primeira (o kami) constituída por três segmentos de, respectivamente, 5, 7 e 5 unidades fonéticas; a segunda (o shimo), por dois segmentos de 7 unidades fonéticas. A origem do haiku está na linha de abertura do renga, chamada de hokku. Adaptado à versificação ocidental, o tanka pode ser representado por uma estrofe de 5-7-5 sílabas poéticas, seguido por um dístico em versos heptassílabos. Um dos exemplos mais célebres de renga é o de Três poetas em Minase, composto pelo mestre Sôgi e seus discípulos Shôhaku e Sôcho no século XV.

Como já dito, a rigor, o poema contido neste livro não pode ser considerado um renga, pois, deste, aproveitei apenas a estrutura, fazendo adaptações significativas. Em primeiro lugar, trata-se de uma composição individual. Em segundo, embora a poesia tradicional japonesa seja escrita em versos brancos, tive de adotar um esquema de rimas bastante restrito para dar conta do papel decisivo assumido por tal recurso estilístico no original — para constar, o esquema adotado foi aba/bB (em que b é sempre uma rima em -ais, -ás, -az ou -ai e B um verso terminado com "mais"). Finalmente, dada a natureza narrativa do poema-fonte, outra característica do renga que tive de abandonar foi a descontinuidade sintática entre a primeira e a segunda linhas do tanka. Trata-se, portanto, de um renga abastardado.

É preciso ainda destacar que nada há de inovador na conversão de "The raven" em formas poéticas estranhas à sua composição. Em 1917, por exemplo, o parnasiano Emílio de Menezes já havia transformado as estrofes do poema em 18 sonetos.

Além do mais, meu poema também não pode ser considerado uma tradução no sentido exigente do termo, pois, devido ao caráter sintético da forma adotada, vários elementos temáticos do original precisaram ser suprimidos e até mesmo modificados. Ainda assim, tenho a pretensão de haver preservado o essencial do poema de Poe, tendo-lhe destilado a medula. O resultado desta empreitada talvez esteja mais próximo de um ornitorrinco do que de um corvo, pois, se tem a estrutura de um renga, não o é de fato, e, mesmo levando todo o jeito de uma tradução de "The raven", não chega a sê-lo.

Sobre o autor:
Emmanuel Santiago, nascido em São Lourenço/MG, é poeta, crítico literário, tradutor e professor de Literatura. Autor dos livros "Pavão bizarro" (2014) e "A ave Lúcifer "(2020). Atualmente, reside em Jacareí/SP, e prepara um livro de haikus..