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Título:
SINAIS
DE FUMAÇA Autor: Jonas Dornelles
ISBN: 978-65-84571-19-8
Formato: 14 x 21 Páginas: 118 Gênero: Poesia
Publicação: Bestiário / Class, 2022
Sinais difusos, fumaça
intensa
Diego Grando
Imagine Olavo Bilac pedindo a senha do wi-fi para um morador
de rua, Tom Zé jogando truco numa cúpula do ONU, Augusto de
Campos assistindo Vale a Pena Ver de Novo, Galileu fazendo
um pixo no muro da igreja, Heráclito concluindo que ninguém
rola duas vezes a mesma timeline. É mais ou menos nisso que
a mistura de dicções, referências, ruminações e vozes
sociais dos Sinais de Fumaça enviados pelo Jonas Dornelles
me fez pensar. Nisso e mais um pouco.
Afinal, são mais de cinquenta poemas, organizados em cinco
seções com títulos altamente sugestivos: “Um altar
vagabundo”, “Personitas”, “Couro duro”, “Sangueira” e
“Carnaval cinzento”. Um fio condutor possível? A dimensão
trágica dessa nossa época em que todos os tempos se
encontram, todos os caminhos se corrompem, todas as dores
são compatíveis – as definições de dor, aliás, foram
atualizadas, e talvez seja preciso baixar uma nova versão,
paga ou pagã, do aplicativo.
O trágico revela-se na visão crítica do mundo contemporâneo,
com suas hashtags e nuvens carregadas de dados, mundo no
qual a experiência humana – sensorial ou afetiva, individual
ou coletiva – já não se separa das mídias, da tecnologia,
para consternação do poeta: “Às vezes choro pela vida/ de
uma criança que nasceu/ dentro de uma timeline”. E talvez,
também, alguma dose de autoironia, ao perceber que estamos
todos – e não só as novas gerações, seja lá o que isso
signifique – perdidos nesse mesmo bug do dia-a-dia: “sinal
de ampulheta/ congelada numa tela/ sobrecarregado/ na
simbologia do cotidiano”.
Mas trágico é igualmente, e inevitavelmente, sinônimo de
Brasil. Ou mais de um. Pode ser o Brasil dos telejornais,
noticiando como acidente a milésima catástrofe de fundo
criminoso: “chove sangue/ sobre terras improdutivas/ sobre
terras alagadas/ hidrelétricas coaguladas/ transbordando nos
bueiros”. Ou o Brasil da violência naturalizada, da doença
crônica da desigualdade social, do silenciamento e, com
algum otimismo, da possibilidade de insubmissão: “não é
fácil se fazer ouvir/ quando se fala sempre gritando/ mas
isso não é problema meu/ hoje eu não tô pra conversa”. Ou,
contraparte deste, o Brasil do engajamento de fachada, do
altruísmo com padrão Globo de qualidade: “a título de
informe, ninguém se importa/ aqui com suas verdades de
camiseta”.
E, claro, há o Brasil de agora mesmo, do cidadão de bem, da
cloroquina, do gabinete do ódio, das fake news, esse Brasil
tragicômico que se autoavacalha, cujos principais atores
precisam ser – trata-se de um dever cívico – continuamente
expostos e ridicularizados: a poesia serve, justamente, para
trazer à tona “aquelas coisas que não se diz/ assim no más/
gravadas para o Carluxo ouvir,/ sabe?”.
Com uma linguagem solta, coloquial e bem – na medida do
possível – humorada, os poemas de Jonas Dornelles transitam
entre filósofos e MCs, grafites e galerias de arte, rolês
aleatórios e caminhos precisos, produzindo entendimentos,
estranhamentos e incômodos. Entre a contradição que é sermos
nós mesmos e a contradição que é o tempo presente, estes
Sinais de Fumaça são intensos e difusos, trazendo ao leitor
prenúncios ambíguos: se o poeta afirma, por um lado, que “a
luta ficou para o além/ esquecida no pós-pandemia/ como
eterna alegoria/ de país desmemoriado”, também acredita, por
outro, que ainda é possível esperar “por um muro/ que seja
só museu das vitórias/ contra todos os muros”. Acredita,
quem sabe, que seja possível construí-lo.
Sobre o autor:
Jonas Kunzler Moreira Dornelles nasceu em Porto Alegre em
1986. Tocando bateria na banda punk rock "Velho de Câncer" e
lendo quando conseguia, encontrou motivação para ingressar
na faculdade. Hoje, concluiu o segundo mestrado e é
doutorando em Letras na PUCRS, pesquisando vida e obra de
Dyonélio Machado. Como poeta, publicou "Trilha na Memória,
2014 e traduziu uma antologia do poeta espanhol Jesús
Lizano, no volume "Olá Compas", 2016. |