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Título:
A VIDA SEM ANTÔNIO Autor:
Fernanda Monteiro
ISBN 978-85-94187-28-4
Formato: 14 x 21 cm.
Páginas: 100 Gênero: Poesia Publicação: Class, 2018
A poderosa voz de uma mulher
Fernanda Mellvee
A historiadora Michele Perrot, em seu livro Minha
história das mulheres, publicado em 2007, afirma que as
mulheres passaram de personagens passivas a protagonistas de
suas próprias histórias, porém, essa transição não aconteceu
de forma pacífica, tampouco de maneira rápida. O que nós
mulheres sabemos é que a primeira grande revolução começa de
dentro para fora. Temos no corpo feminino um campo de
batalha. A nossa voz, que nem sempre foi ouvida é a nossa
maior arma.
Em primeiro lugar, é necessário compreendermos a nossa
vontade. A consciência dos nossos desejos dá início a uma
luta da qual não podemos escapar, porém, sempre sairemos
vitoriosas.
Se antes nos calaram, temos agora a escrita – grito tornado
palavra – um meio de mostrar a nossa a nossa voz.
Em A vida sem Antônio, de Fernanda Monteiro, o leitor
encontrará uma voz liberta, que ultrapassou os limites do
corpo físico e do espaço privado e vem a público reivindicar
ser ouvida. Com esses “quarenta e quatro gestos” a autora
verbaliza o que antes apenas os olhos ousavam demonstrar.
Já no I gesto, essa voz nos fala sobre luxúria e sobre o
desejo de pertencimento. Há uma obsessão, que essa voz
anuncia com coragem e sem nenhum pudor “É bom estar obcecada
por algo bonito”.
O II gesto é dado com ternura, quando a voz revela que esse
amor cultivado intui “secretamente que vais voltar para
minha vida...um dia.” Com ternura, ela discorre sobre o
objeto de sua paixão, esse taurino que usa Adidas e Nike,
que começa a ganhar corpo.
O V gesto clama por uma resolução: “ou te separas ou me
mato”. Porém, ela conclui que mais razoável do que a morte é
seguir no anonimato, e que não há outra alternativa a não
ser seguir.
“Me cobice”, assim tem início o VII gesto, que é também uma
súplica. Essa voz clama por aceitação, apesar de seu humor,
de seus sentimentos de culpa e de seus pecados. Temos aqui
uma voz que implora por compreensão. Que o seu interlocutor
a aceite como ela é, ou seja, uma mulher.
O gesto XI é uma constatação: “Temos um laço cármico”. Essa
voz está fadada a Antônio, embora o que os una seja também
“um laço brutal”.
O gesto XIII investiga o “que há nesse homem” e termina com
uma indagação: “Como vou esquecer de ti se ocupas todo o
mundo?”
No gesto de número XIV temos um ritual: a voz anuncia que se
prepara para receber o ser desejado, com “banho com ervas,
sal grosso e mel” recorrendo a sua “herança ancestral
feminina”.
Em XXII, ela reconhece sua ancestralidade: “A minha força
vital vem/ de um clã de mulheres intuitivas/ de lobas,
bruxas e dançarinas”. É nessa ancestralidade calada pela
presença do elemento masculino, que a voz encontra sabedoria
e força para suportar a ausência de uma “partida anunciada”
Em XXII, temos um comunicado: “Eu não quero mais um dia de
beijos cancelados/ E nem me acostumar com uma vida sem
desejo.” Essa voz que reclama por reciprocidade é a mesma
que adverte: “A verdade é que já não tenho mais retina para
guardar tanta tristeza.”
No gesto XXX, ela insiste: “Quero poetar você”. A voz revela
que busca entre as palavras aquela que lhe dê a certeza de
que ainda “falta viver o epílogo desta nossa história.”
Temos na escrita o poder conciliador sobre os afetos.
“Todas nós precisamos de um Antônio”, é a conclusão do gesto
XXXV. Essa voz que não quer “renunciar meu nome e minha
condição feminista”, luta para ser ouvida, consciente de que
vive num “mundo em prosa/ talvez muito masculino para uma
mulher como todas nós”. Essa voz reclama é pelo direito à
liberdade, por ser e apesar de ser mulher.
Temos no derradeiro gesto, XLIV, uma revanche. Quando a voz
suplica “Volta eu preciso/ de mais horas de memória/ preciso
escrever para lapidar este sentimento em estado bruto/ para
me proteger do frio do esquecimento/ e desta interminável
fuga do enredo”, ela se afirma como sujeito, negando a
condição de objeto, que sempre fora reservada às mulheres na
literatura. Ainda que a presença da ausência de Antônio
perpasse toda a obra, ele está na condição de ser aquele que
inspira e não quem escreve. O ato de escrever, que sempre é
um ato de insubmissão, quando realizado por uma mulher é
duplamente libertário. A vida sem Antônio é um livro muito
mais sobre coragem do que sobre ausência.
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